sábado, 27 de março de 2021

Barbosa, 100 anos!


 Se estivesse vivo, Barbosa completaria um século de vida neste sábado. Moacir Barbosa é simplesmente o maior goleiro da história do Vasco e, sem dúvida, um dos maiores da história do futebol brasileiro. Em sua galeria de troféus, constam 6 títulos cariocas, numa época em que ainda não existia o Campeonato Brasileiro, então os estaduais tinham um status muito maior que o de hoje. Além disso, foi campeão invicto do Campeonato Sul-Americano de Campeões em 1948 (o primeiro título internacional de um clube brasileiro), um "embrião" do que viria a ser a Taça Libertadores da América alguns anos mais tarde; foi campeão sul-americano com a Seleção, em 1949 e do Torneio Rio-São Paulo de 1958, sendo o goleiro menos vazado destes e de vários outros torneios, inclusive os que o Vasco não se sagrou campeão.

Em 1950, Barbosa foi o goleiro do Vasco no primeiro título da história do Maracanã, o que garantiu ao clube o direito de escolher o lado em que sua torcida se posicionaria para sempre, quando atuasse naquele que era, à época, o maior estádio do mundo. No mesmo ano, o arqueiro foi o líder de "clean sheets" (quando um goleiro não sofre gols durante uma partida) na fatídica Copa do Mundo em que o Brasil foi derrotado pelo Uruguai.

O dia 16 de julho de 1950, no entanto, ficou marcado na vida de Barbosa e de todos os goleiros Negros do Brasil depois disso. Brasil x Uruguai se enfrentaram pela final da Copa do Mundo e os uruguaios venceram por 2x1, causando uma enorme frustração nos brasileiros. O gol de Ghiggia atormentou Barbosa pelo resto da sua vida. Ele costumava repetir a frase: " a pena máxima de um criminoso no Brasil é 30 anos. Eu  já paguei 49 anos (em 1999) e vocês ainda estão me cobrando?"

A verdade é que Barbosa foi considerado o principal "culpado" pela derrota da Seleção na Copa porque existe a máxima de que goleiro não pode falhar. Como o futebol não é um mundo à parte do resto da sociedade, a mesma máxima se aplica aos homens Negros. Nós não podemos errar, pois não teremos segunda chance. Devemos lembrar que o futebol tinha finalmente "aceitado" a presença de jogadores pretos e pobres há pouco menos de 30 anos, justamente com o Vasco e a sua famosa Resposta Histórica, em que o clube se recusou a excluir estes jogadores do seus quadros, no início dos anos 1920, apesar da pressão dos quatro grandes clubes do Rio de Janeiro à época (Flamengo, Fluminense, Botafogo e América), e teve, como punição, sua desfiliação da entidade que regia o Campeonato Carioca.

Barbosa morreu em 7 de abril de 2000. Curiosamente, esta é a data em que a Resposta Histórica foi publicada, em 1924.



Na esteira do punitivismo racista que se abate sobre os indivíduos Pretos, nossas falhas são generalizadas, enquanto os erros e crimes dos brancos são particularizados. Isto é, quando um Negro erra, é como se todos errassem ou vão errar do mesmo jeito no futuro. Essa situação gerou um estigma de que homens Negros não possuem vocação para ser goleiro. O advogado, professor, filósofo e pós-doutor em Direito Sílvio Almeida, filho do goleiro Barbosinha do Corinthians, disse que seu pai tinha esse apelido em alusão a Barbosa, o que carregava com muito orgulho. Sempre ficava a impressão de que ele iria errar na hora mais decisiva de alguma partida importante: "Vejam como o futebol trata a questão racial. Vejam como é permitido no futebol o livre mercado do ódio. Parece que as pessoas vão ao estádio com passe livre para ofender racialmente trabalhadores. Há uma espécie de pacto silencioso para que no futebol as ofensas raciais sejam absorvidas. A imprensa esportiva também absorve e difunde o racismo no futebol", acrescentou numa entrevista ao UOL.

 Poucos goleiros Negros tiveram oportunidade nos clubes de elite do Brasil e menos ainda na Seleção Brasileira. Tanto que, depois de Barbosa, apenas dois goleiros Negros assumiram a titularidade em copas. Manga, em 1966 e Dida em em 2006, após amargar a reserva nas copas de 1998 e de 2002, foram as exceções. Jefferson, goleiro do Botafogo, chegou a assumir a camisa 1 após a Copa de 2014, mas não foi mais convocado. Em relação aos clubes, com o título de 2020, o jovem (e contestado) Hugo do Flamengo foi apenas o 13° goleiro Negro a conquistar um título atuando como titular, em 50 anos de Campeonato Brasileiro. Ao mesmo tempo, pense na quantidade de goleiros brancos que já passaram pelos clubes e pela Seleção desde 1950. Quantos falharam? Quantos foram "cancelados" pelo resto da vida?
 Nem mesmo Júlio César, o goleiro do 7x1 contra a Alemanha, a maior derrota da história do Brasil em copas, sofreu esse estigma. Os outros goleiros brancos continuam sendo convocados sem problema. O gol que Barbosa sofreu não foi nenhuma falha clamorosa. Mesmo que tivesse sido, um lance isolado jamais poderá ser mais importante que todas as atuações que ele fez ao longo de quase 20 anos de carreira.

Obrigado, Barbosa! Seu legado será eterno, principalmente para os vascaínos que não esquecem de tudo o que você conquistou. A imagem que está gravada na memória é a do homem que se acostumou a levantar troféus.



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