segunda-feira, 28 de maio de 2018

Falz - This is Nigeria


Nascido Folarin Falana, o rapper e ator nigeriano Falz, que também é advogado e filho do famoso advogado e ativista pelos direitos humanos Femi Falana, se notabiliza por emitir opiniões fortes e críticas sociais diversas, como à corrupção, à violência policial (que até ele mesmo já foi vítima recentemente, como pode ser visto neste LINK EM INGLÊS) e ao oportunismo das igrejas na Nigéria, entre outras coisas, o que não é tão comum no país, devido à repressão das forças governistas a este tipo de posicionamento.

Feitas as devidas apresentações, sugiro que veja o vídeo antes de continuar:

This is Nigeria é uma versão nigeriana para uma das músicas mais comentadas de 2018 até então, This is America, de Childish Gambino (veja mais sobre ela NESTE LINK). A versão africana é cheia de referências aos problemas sociais e políticos enfrentados pelo país nas últimas décadas, como se pode ver nos primeiros segundos do clipe. Falz segura um rádio, enquanto segue um discurso: Extremamente pobre. Os hospitais e  postos de saúde são pobres. Nós operamos um sistema capitalista predatório e neocolonial, que é fundado sobre a fraude e exploração e, portanto, você é obrigado a ser corrupto. Muitas ocorrências criminais são resolvidas em delegacias. 

Um homem vestindo um traje tradicional do povo Fula (ou Fulani), característico do norte e da costa atlântica da África, a exemplo da Guiné, Burkina Faso, Serra Leoa, além da própria Nigéria, entre outros países, sentado calmamente tocando seu goje (instrumento musical também típico da região) levanta-se abruptamente, substitui seu instrumento por um facão e executa um homem imobilizado.

Ao fundo, assim como na versão original, várias ações de violência e caos acontecem ao mesmo tempo, fato recorrente em todo o clipe, embora não com a mesma intensidade de This is America. Falz canta: Esta é a Nigéria/ Veja como estamos vivendo agora/ Veja o que estamos comendo agora/ Todo mundo é criminoso. O cantor se refere aos cerca de 42% da população nigeriana que vive em condições de pobreza extrema, aproximadamente 80 milhões de pessoas, segundo dados do World Poverty Clock, um instituto que contabiliza os índices de pobreza no mundo inteiro. No momento em que escrevo isso, 8% da população mundial encontra-se nesta situação (VEJA AQUI). Em sua versão, as pessoas que dançam ao seu redor não são estudantes, mas mulheres vestidas com trajes tradicionais muçulmanos, com expressões sérias, o que nos chama atenção ao sequestro e estupro de centenas de meninas e mulheres nigerianas pelo grupo extremista islâmico Boko Haram. 

No ato seguinte, vemos uma cena que nos é bastante familiar quando sintonizamos a TV em determinados canais, principalmente de madrugada. Uma simulação de "exorcismo" e promessas de milagres em breve. Claro que isso nunca vem de graça. Logo depois, temos homens tentando ligar máquinas, mas impedidos pelas constantes crises de energia elétrica no país. A letra diz que, mesmo trabalhando em múltiplos empregos, eles são chamados de preguiçosos. Este trecho se refere a uma entrevista do presidente nigeriano Muhammadu Buhari que repercutiu mal no país, ao afirmar que a maioria da população é jovem, mas não possui emprego nem escolaridade, atribuindo a pobreza da Nigéria a uma suposta apatia dos mais jovens, o que causou uma imediata reação nas mídias sociais, inclusive com a hashtag #LazyNigeriaYouth (a matéria sobre o caso pode ser lida, em inglês, AQUI).

Uma das cenas que abordam as desigualdades sociais do país é onde um homem com cordão de ouro, ladeado por duas mulheres, ostenta cédulas de dinheiro, mesmo em meio a todo o caos. Logo depois, a SARS (sigla para Special Anti-Robbery Squad, ou Esquadrão Especial Antirroubo) aborda um grupo de homens que conversava na rua. Depois de subornados, os policiais permitem que o grupo disperse, a exceção de um deles, que, supostamente, não quis ou não pôde pagar e, por isso, continua a ser espancado e executado. Um homem em trajes militares parece tentar fazer um pronunciamento buscando justificar o fato, mas não consegue prosseguir, talvez, por não achar justificativa plausível.

No fim, todos os atores presentes no clipe aparecem juntos, como se saíssem dos personagens, enquanto se ouve uma novo discurso: Mas o que acontece todos os dias é que o sistema tem permitido isso. Por exemplo, não há nenhuma lei que te autorize  a tomar o dinheiro das igrejas e investir em negócios e privatizá-la. Não! Isso acontece apenas na Nigéria! Onde você pode retirar dinheiro da igreja, dinheiro doado por pessoas pobres da congregação e criar uma universidade. Em seguida, os membros não podem entrar. É contra as leis de Deus! É contra a constituição!

Assim como o clipe original que lhe serviu de inspiração, This is Nigeria trata com acidez e boas doses de realidade os problemas enfrentados pelo país, que se tornou um lugar onde a corrupção e a violência estão impregnadas nos mais diversos setores da sociedade, com a agravante de que não é muito comum ver manifestações tão explícitas por lá. As situações enfrentadas pela Nigéria não são muito diferentes do que se passa nos Estados Unidos de This is America ou no Brasil. O colonialismo e o neocolonialismo, a escravidão e a exploração capitalista das grandes potências produziram desigualdades que nos aproximam ideologicamente e fazem com que a identificação ultrapasse as barreiras linguísticas e culturais.




quarta-feira, 16 de maio de 2018

Vídeos, filmes e documentários para debater o racismo


O YouTube possibilita o acesso fácil a todo tipo de material. Alguém teve a brilhante ideia de compilar diversos vídeos que abordam a questão racial e o debate acerca do racismo e das desigualdades sociais advindas dele, mas, como alguns vídeos saíram do ar, eu fui testando um por um e substituindo por outros de temática semelhante, sempre que possível. Minha lista acabou ficando maior que a original. O interessante é que outros vídeos que não estão aqui aparecem como relacionados pela temática, tornando esta lista infinitamente maior.
Confira a lista abaixo:

O Xadrez das Cores: o preconceito e o desafio da acolhida da diversidade
https://www.youtube.com/watch?v=CGIBoGzNMR0

Chacinas nas periferias
https://www.youtube.com/watch?v=53rQggrAouI


Raça Humana
https://www.youtube.com/watch?v=y_dbLLBPXLo


Ninguém nasce assim
https://www.youtube.com/watch?v=6H_xfUCLWBY


Racismo Camuflado no Brasil
https://www.youtube.com/watch?v=zJVPM18bjFY


Negro lá, negro cá
https://www.youtube.com/watch?v=xPC16-Srbu4


Vidas de Carolina
https://www.youtube.com/watch?v=AkeYwVc2JL0


Eu não sou seu Negro
https://www.youtube.com/watch?v=Nt1qqzVhhBM

Negros dizeres
https://www.youtube.com/watch?v=yjYtLxiVQ7M


Quanto Vale ou É Por Quilo
https://www.youtube.com/watch?v=fZhaZdCqrHg

Mulher negra
https://www.youtube.com/watch?v=WDgGLJ3TPQU


Vista Minha Pele
https://www.youtube.com/watch?v=JIvjTmQgXOA

Negro Eu, Negro Você
https://www.youtube.com/watch?v=lpT17VJpnX0


A realidade de trabalhadoras domésticas negras e indígenas
https://www.youtube.com/watch?v=s4UsjpFg2Vg


Espelho, Espelho Meu!
https://www.youtube.com/watch?v=44SzV2HSNmQ


Open Arms, Closed Doors
https://www.youtube.com/watch?v=uXqpOFBXjBs


Boa Esperança - minidoc
https://www.youtube.com/watch?v=3NuVBNeQw0I


Memórias do cativeiro
https://www.youtube.com/watch?v=_Hxhf_7wzk0


Quilombo São José da Serra
https://www.youtube.com/watch?v=f0asl1-SpP4


Introdução ao pensamento de Frantz Fanon
https://www.youtube.com/watch?v=mVFWJPXscm0


Invernada dos Negros 
https://www.youtube.com/watch?v=TCyu-Tb6D1o


A Negação do Brasil
https://www.youtube.com/watch?v=PrrR2jgSf9M

Sua cor bate na minha
https://www.youtube.com/watch?v=gm-WjcZwgvg


História da Resistência Negra no Brasil
https://www.youtube.com/watch?v=68AApIpKuKc


Jongos, Calangos e Folias: Música Negra, Memória e Poesia
https://www.youtube.com/watch?v=DB_AHH3xXYQ

Raça e Racismo no Brasil
https://www.youtube.com/watch?v=RFYQ6axQSho

Relações Étnico-Raciais - Dr. Kabengele Munanga
https://www.youtube.com/watch?v=7FxJOLf6HCA


quinta-feira, 10 de maio de 2018

Essa é a América, não seja pego desprevenido!


Eu já conhecia o ator Donald Glover, que interpretará o jovem Lando Calrissian, no spin-off de Star Wars sobre Han Solo, ainda este mês nos cinemas. Confesso que só fui apresentado ao seu alter ego Childish Gambino com a divulgação do bombástico This is America.

Fico impressionado com o alcance das críticas à violência policial e ao racismo nos Estados Unidos, feitas por artistas consagrados, assim como Lemonade, de Beyoncè e o ato de ajoelhar-se durante a execução do Hino Nacional dos EUA por Colin Kaepernick, enquanto atuava pelo San Francisco 49ers na NFL, e o quanto elas trazem reflexões necessárias, por mais que sejam extremamente conhecidas e debatidas por nós Negrxs. Além disso, a semelhança entre a realidade norte-americana e a nossa faz com que nos identifiquemos com sua mensagem.

This is America, dirigido por Hiro Murai e coreografado por Sherrie Silver, especialista em danças africanas, é cheio de referências e uma das primeiras (e mais óbvias) é ao personagem Jim Crow (uma representação grosseira de pessoas Negras, criada por um pseudo comediante e que deu origem ao famigerado "black face"), quando Gambino atira no homem que está tocando violão. O bom da arte é poder interpretá-la da maneira que ela chega aos nossos sentidos, pois, a cada vez que assistimos ao clipe, novas informações aparecem, quando prestamos atenção aos detalhes. As cenas de violência explícita são feitas para chocar, como se a realidade lhe acertasse um soco no estômago. O fato de ser gravado inteiramente em um galpão é o contraste aos clipes mega produzidos, com carrões, cordões de ouro, piscinas e garrafas de champanhe.
Criado por Thomas D. Rice, Jim Crow foi a gênese do "black face" e deu nome às leis de segregação racial nos EUA, entre o século XIX e a segunda metade do século XX.


Outra referência mais explícita está na roupa dos estudantes que dançam ao seu redor, lembrando o massacre de Soweto, África do Sul, em 1976. Além disso, o coral assassinado faz menção à chacina ocorrida na igreja de Charleston, uma das mais tradicionais igrejas Negras dos EUA, em 2015.
Levante de Soweto, na África do Sul, pode ter servido de inspiração para o figurino das crianças que dançam no clipe.

Há várias coisas acontecendo ao mesmo tempo. Enquanto Childish Gambino e as crianças dançam no centro da tela, incontáveis cenas de violência e tumulto se desenvolvem em segundo plano. Podemos fazer várias leituras disso, inclusive autocríticas. A sequência simboliza o tratamento dado pela mídia ao Negro, como mero entretenimento, enquanto a violência explode e nós somos mortos nas periferias. 

A dança pode simbolizar também uma crítica à "geração tombamento" ("I'm so pretty", ou seja, "eu sou muito bonito"), que preza muito pela beleza estética, mas, muitas vezes, é ausente de conteúdo. Lógico que é importante nos reconhecermos como pessoas bonitas, agradáveis e desejáveis, já que toda a estrutura racista ocidental foi criada para nos tentar fazer acreditar no contrário disso. Só que não podemos esquecer que os colonizadores brancos também nos consideravam "burros" e monopolizaram praticamente todo o conhecimento teórico por séculos, enquanto o direito à alfabetização era negado aos escravizados, ou extremamente precário, quando a escravidão acabou e enquanto as leis de segregação racial vigoraram no país. Estudar é a nossa primeira arma no enfrentamento ao racismo. A mesma crítica vale para grande parte dos artistas de Hip Hop que pregam a ostentação ("Eu tô usando Gucci" e "notas de cem, notas de cem", por exemplo), ao invés do empoderamento real da população Negra.

This is America parte do ponto de vista dos Estados Unidos, mas poderia ser em qualquer quebrada do Brasil. Quando ele diz "não seja pego desprevenido" e "homem Negro, consiga o seu dinheiro", Childish Gambino nos alerta para a necessidade de estar atento à nossa comunidade, aos perigos internos e externos e , ao mesmo tempo, correr atrás da nossa sobrevivência. Fique ligado e permaneça vivo!

sábado, 5 de maio de 2018

Racionais MC's - Negro Drama



Negro drama
Entre o sucesso e a lama
Dinheiro, problemas
Inveja, luxo, fama
Negro drama
Cabelo crespo e a pele escura
A ferida, a chaga
À procura da cura
Negro drama
Tenta ver e não vê nada
A não ser uma estrela longe, meio ofuscada
Sente o drama,o  preço, a cobrança
No amor, no ódio,a insana vingança
Negro drama
Eu sei quem trama e quem tá comigo
O trauma que eu carrego pra não ser mais um preto fodido
O drama da cadeia e favela
Túmulo, sangue, sirene, choros e vela
Passageiro do Brasil, São Paulo, agonia 
Que sobrevivem em meio às honras e covardias
Periferias, vielas e cortiços
Você deve tá pensando o que você tem a ver com isso
Desde o início, por ouro e prata
Olha quem morre, então, veja você quem mata
Recebe o mérito, a farda que pratica o mal
Me ver
Pobre, preso ou morto já é cultural
Histórias, registros, escritos
Não é conto nem fábula
Lenda ou mito
Não foi sempre dito que preto não tem vez?
Então, olha o castelo, irmão
Foi você quem fez, cuzão
Eu sou irmão dos meus trutas de batalha
Eu era a carne, agora sou a própria navalha
Tin, tin, um brinde pra mim
Sou exemplo de vitórias
Trajetos e glórias, glorias
O dinheiro tira um homem da miséria
Mas não pode arrancar de dentro dele a favela
São poucos
Que entram em campo pra vencer
A alma guarda
O que a mente tenta esquecer
Olho pra trás, vejo a estrada que eu trilhei
Mó cota

Quem teve lado a lado
E quem só fico na bota


Entre as frases, fases e várias etapas
Do quem é quem
Dos mano e das mina fraca
Negro drama de estilo
Pra ser e se for
Tem que ser
Se temer é milho
Entre o gatilho e a tempestade
Sempre a provar
Que sou homem e não um covarde
Que Deus me guarde
Pois eu sei que ele não é neutro
Vigia os ricos, mas ama os que vêm do gueto
Eu visto preto por dentro e por fora
Guerreiro
Poeta entre o tempo e a memória, ora!
Nessa história, vejo o dólar
E vários quilates
Falo pro mano pra que não morra e também não mate
O tic-tac não espera, veja o ponteiro
Essa estrada é venenosa e cheia de morteiro
Pesadelo
É um elogio
Pra quem vive na guerra, a paz nunca existiu
Num clima quente, a minha gente sua frio
Vi um pretinho, seu caderno era um fuzil
Um fuzil
Negro drama
Daria um filme:
Uma negra e uma criança nos braços
Solitária na floresta de concreto e aço
Veja

Olha outra vez o rosto na multidão
A multidão é um monstro sem rosto e coração
Em São Paulo, terra de arranha-céu
A garoa rasga a carne. é a Torre de Babel
Família brasileira, dois contra o mundo
Mãe solteira de um promissor vagabundo
Luz, câmera e ação: gravando!
A cena vai
Um bastardo
Mais um filho pardo, sem pai
Ei, Senhor de engenho
Eu sei bem quem você é
Sozinho, cê num guenta
Sozinho, cê num entra a pé
Cê disse que era bom e a favela te ouviu
Lá também tem
Whisky, Red Bull, tênis Nike e fuzil
Admito
Seus carro é bonito
É, eu não sei fazê
Internet, videocassete, os carro loco
Atrasado eu tô um pouco, sim
Tô, eu acho
Só que tem que
Seu jogo é sujo e eu não me encaixo
Eu sou problema de montão
De carnaval a carnaval
Eu vim da selva, sou leão
Sou demais pro seu quintal
Problema com escola, eu tenho mil, mil fitas
Inacreditável, mas seu filho me imita
No meio de vocês, ele é o mais esperto
Ginga e fala gíria
Gíria não, dialeto
Esse não é mais seu
Ó, subiu
Entrei pelo seu rádio, tomei, cê nem viu
Nós é isso ou aquilo
O quê?
Cê não dizia?
Seu filho quer ser preto?
Ahhh, que ironia!
Cola o pôster do 2Pac aí
Que tal? Que cê diz?
Sente o negro drama, vai
Tenta ser feliz
Ei bacana, quem te fez tão bom assim?
O que cê deu, o que cê faz,
O que cê fez por mim?
Eu recebi seu tic, quer dizer kit
De esgoto a céu aberto e parede madeirite
De vergonha eu não morri
To firmão, eis-me aqui
Você, não
Cê não passa quando o mar vermelho abrir
Eu sou o mano, homem duro
Do gueto, Brown
Obá
Aquele louco que não pode errar

Aquele que você odeia amar nesse instante
Pele parda,ouço funk
E de onde vem os diamantes?
Da lama!
Valeu mãe
 Negro drama!