domingo, 28 de julho de 2019

Atriz Ruth de Souza morre aos 98 anos


Morreu neste domingo, 28 de julho de 2019, a atriz Ruth de Souza, de 98 anos. Ela estava internada no Centro de Tratamento Intensivo do Hospital Copa D’Or, em Copacabana, na Zona Sul do Rio, há alguns dias. O hospital não divulgou a causa da morte.
Este ano, Ruth foi homenageada pela escola de samba Acadêmicos de Santa Cruz durante desfile da Série A do carnaval do Rio. O último trabalho dela na TV Globo foi na minissérie “Se eu fechar os olhos agora”, também em 2019.
Na sessão Ícones Negros deste blog, eu postei um pouco sobre a trajetória de Ruth de Souza, a primeira atriz Negra a atuar no elitista e "tradicional" Theatro Municipal do Rio de Janeiro, além do seu pioneirismo na televisão e da sua importância na construção do Teatro Experimental do Negro, uma grande ferramenta de luta contra o racismo. Confira NESTE LINK .

quinta-feira, 18 de julho de 2019

Mandela e o Marxismo

Rolihlahla Mandela vestido com os trajes tradicionais de seu povo.


Em 23 de outubro de 1967, no auge da Guerra Fria e do Apartheid, Nelson Rolihlahla Mandela, que já estava preso desde 1962 por várias acusações, como ter deixado a África do Sul sem passaporte, incitação a greve e sabotagem, escreveu uma carta ao Departamento de Justiça do país para contestar mais uma acusação: a de que seria membro do Partido Comunista da África do Sul, contrariando a Lei de Supressão do Comunismo, que criminalizava qualquer referência a esta ideologia no país, mesmo que esse conceito fosse utilizado de maneira vaga e generalista (da mesma forma como a expressão continua sendo usada até hoje). Os trechos transcritos desta carta servem para atestar que o CNA (Congresso Nacional Africano, partido de Mandela) não era uma organização comunista, e que a lógica africana sempre foi diferente da noção branca ocidental de "direita" e "esquerda":

Li e continuo lendo a literatura marxista e me comove a ideia de uma sociedade sem classes. Estou firmemente convencido de que só o socialismo pode eliminar a pobreza, a doença e o analfabetismo que predominam no seio do meu povo, e de que o máximo desenvolvimento industrial é resultado de planejamento central e da nacionalização das indústrias-chave do país. Mas eu não sou marxista. No que diz respeito à África do Sul, acredito que a tarefa mais imediata com que se defrontam hoje as pessoas oprimidas não é a introdução de um governo dos trabalhadores e a construção de uma sociedade comunista. A principal tarefa diante de nós é a derrubada da supremacia branca em todas as suas ramificações e o estabelecimento de um governo democrático no qual todos os sul-africanos, independentemente de sua situação social, de sua cor ou de suas convicções políticas, vivam lado a lado em perfeita harmonia.

Um exame da minha trajetória política demonstra que nunca fui membro nem apoiador ativo do Partido Comunista da África do Sul nem de seu sucessor, o Partido Comunista Sul-Africano. Ao contrário, tal trajetória mostra que eu sou um nacionalista.

Uma ambição sempre dominou meu pensamento, minhas convicções políticas e minhas ações políticas.Trata-se da ideia de explodir o mito da supremacia branca e de reconquistar o nosso país. O único organismo que tem capacitado nosso povo para avançar em nossa luta pela liberdade e que nos conduzirá à nossa meta final no futuro é, e sempre foi, o Congresso Nacional Africano com sua doutrina dinâmica de nacionalismo africano. Se, ocasionalmente, eu atuei em outros organismos, foi porque considerei que tais organismos e sua atuação ajudavam a acelerar a libertação do povo africano.

Fonte: Cartas da Prisão de Nelson Mandela, p. 60-68



sexta-feira, 12 de julho de 2019

Racismo no futebol: um reflexo da sociedade, não um mundo à parte

Declaração de Aliou Cissé durante a Copa do Mundo da Rússia, em 2018.

Há racismo no futebol porque há racismo em todos os outros espaços.  Devemos levar este fato em consideração quando buscarmos entender o que leva à incidência de tantos casos no esporte mais popular do Brasil e um dos mais vistos do mundo. Isto ficou ainda mais evidente após Roger Machado assumir o Bahia e se manifestar frequentemente sobre a quase inexistência de técnicos e dirigentes Negros nos grandes clubes do Brasil (Roger é o único técnico Negro entre os 20 clubes da primeira divisão do Campeonato Brasileiro), levantando um debate que os analistas dos canais de esportes, quase sempre brancos, se esquivam na maior parte do tempo. A vez mais recente em que isso se tornou uma questão debatida pelos comentaristas foi na Copa do Mundo da Rússia, em 2018, onde Aliou Cissé, técnico de Senegal, foi o único Negro do torneio.

O escritor estadunidense William Edward DuBois, no livro As Almas da Gente Negra, escrito no começo do século passado, criou uma metáfora que simboliza perfeitamente o racismo institucional. Ele dizia que existe um “véu” sobre as pessoas Negras, que impede sua projeção aos postos de destaque em qualquer área. Era como se a cor da pele chegasse antes de nossas qualidades e este véu cobrisse quem realmente somos.

Para além desta faceta do racismo, existe outra muito mais explícita: a dos cânticos entoados nos estádios pelo mundo afora. Os campeonatos europeus, por possuírem investimentos suficientes para contratar os melhores jogadores do planeta, são palcos das maiores barbaridades contra jogadores Negros, sejam eles nativos, naturalizados ou estrangeiros. Mario Balotelli, Yayá Touré, Romelu Lukaku e até brasileiros como Neymar e Daniel Alves, que nem são tão vistos como Negros aqui no Brasil, já foram alvos de manifestações racistas vindas das arquibancadas.

O goleiro Aranha foi alvo de insultos racistas por parte da torcida do Grêmio, na Copa do Brasil de 2014.

Aqui na América Latina, os casos de racismo são desagradavelmente comuns nos jogos da Taça Libertadores da América e da Copa Sulamericana, principalmente quando envolvem times argentinos ou uruguaios contra brasileiros, equatorianos e colombianos, países de maioria Negra. O Brasil não fica de fora dessa lista. Muitos casos são flagrados pelas câmeras ou até mesmo denunciados, mas com pouco efeito prático. O episódio de maior repercussão no país recentemente foi o sofrido pelo goleiro Aranha, então atleta do Santos e alvo de ofensas racistas por parte da torcida do Grêmio, no jogo de ida das oitavas de final da Copa do Brasil de 2014. Como uma consequência rara no país, o clube gaúcho acabou excluído da competição, embora já tivesse perdido o jogo no campo por 2x0.

O caminho para começar a resolver o problema do racismo nos estádios passa, de fato, pela punição exemplar aos indivíduos, se forem identificados, ou até mesmo aos clubes, quando as manifestações forem intensas, pois as diversas campanhas promovidas pela FIFA e pelas demais confederações não têm adiantado nada. O racismo deve ser encarado pelas autoridades como o ato de violência que ele realmente é, um crime tão grave quanto as brigas ou o arremesso de objetos no campo. Crimes não são solucionados com notas de repúdio, nem com hashtags nas redes sociais. São resolvidos com ações efetivas.

quarta-feira, 3 de julho de 2019

"Emergência da Poesia", de Amílcar Cabral



Quem é que não se lembra
Daquele grito que parecia trovão?!
-É que ontem
Soltei meu grito de revolta.
Meu grito de revolta ecoou pelos 
vales mais
longínquos da Terra,
Atravessou os mares e os oceanos,
Transpôs os Himalaias de todo o Mundo,
Não respeitou fronteiras
E fez vibrar meu peito...
Meu grito de revolta fez vibrar os peitos
de todos os Homens
E transformou a Vida...
...Ah! O meu grito de revolta que 
percorreu o 
Mundo, 
Que não transpôs o Mundo,
O Mundo que sou eu!
Ah! O meu grito de revolta que feneceu lá longe,
Muito longe,
Na minha garganta!

*Amílcar Cabral foi ideólogo da Independência da Guiné-Bissau e de Cabo Verde e um dos principais teóricos da luta armada para a libertação africana.