quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Ícones Negros: Ruth de Souza




Ruth de Souza fez história ao ser a primeira atriz negra a representar no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Foi no dia 8 de maio de 1945, em O Imperador Jones, de Eugene O’Neil, numa montagem do Teatro Experimental do Negro, grupo fundado por Abdias Nascimento e Agnaldo Camargo. E seu feito ajudou a abrir caminho para o artista negro no Brasil.

Na televisão, foi uma das pioneiras. Passou pela TV Tupi, pela Record, TV Elxcelsior e, em 1968, Ruth de Souza foi contratada pela Globo para atuar na novela Passo dos Ventos, onde interpretou a mãe de santo Tuiá, uma mulher sábia cujos antepassados eram escravos, no Haiti. Logo depois, deu vida à Tia Cloé, uma escrava que liderou a luta pela liberdade nos Estados Unidos da Guerra de Secessão. Foram mais de 20 papeis na emissora, em quatro décadas de trabalho.


A menina do Engenho de Dentro

Na década de 1970, Ruth de Souza participou de clássicos da dramaturgia da Globo, como Pigmalião 70 (1970), Os Ossos do Barão (1973), O Rebu (1974), Helena (1975) e Duas Vidas (1976).Ruth Pinto de Souza nasceu em 12 de maio de 1921, no bairro do Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro. Filha de um lavrador e de uma lavadeira, desde criança sonhava em ser atriz. “Eu era apaixonada por cinema. Queria ser atriz, mas naquela época não tinha atores negros, e muita gente ria de mim: ‘Imagina, ela quer ser artista! Não tem artista preto’. Eu ficava meio chateada, mas sabia que ia fazer; como, não sabia”.

Descobriu ao entrar para o Teatro Experimental do Negro, onde, além de Imperador Jones, atuou em Todos os Filhos de Deus Têm Asas e O Moleque Sonhador, também de O’Neil; Amanda, Joaquim Ribeiro; Anjo Negro, de Nelson Rodrigues; e O Filho Pródigo, de Lucio Cardoso. Em 1948, ganhou uma bolsa de estudos da Fundação Rockfeller e foi estudar na Howard University, uma universidade exclusiva para negros, em Washington. Nos Estados Unidos, estudou também na escola de teatro Karamu House, em Cleveland, Ohio.


Pioneira da TV Brasileira



A atriz também foi uma das pioneiras da TV brasileira. Participou de programas de variedades e musicais no início das transmissões da Tupi, até adaptar para a televisão, com Haroldo Costa, a peça O Filho Pródigo, que havia encenado no Teatro Experimental do Negro. “Eu acredito que foi o primeiro teatro na televisão, eu acho que fomos nós que fizemos”, conta. A primeira novela foi A Deusa Vencida (1965), de Ivani Ribeiro, na Excelsior. “Nessa novela todo mundo estava começando também, como a Regina Duarte”, recorda-se.

Ruth de Souza foi contratada pela Globo em 1968, para atuar na novela Passo dos Ventos, de Janete Clair. “Naquela época era muito agradável, havia muito entusiasmo de todo mundo. Sabe aquela coisa de querer fazer, ‘o que vamos fazer agora?’, querendo continuar o trabalho. Porque o ator sempre, nunca quer parar.”

Na emissora, fez mais de 20 novelas. Para ela, um dos lados bons de ser ator é ser avaliado pelo seu desempenho em um trabalho. “Uma grande vantagem é poder fazer um trabalho que, se for bom, o público não esquecerá.”

Em A Cabana do Pai Tomás (1969), de Hedy Maia, foi Tia Cloé, uma das líderes do movimento que levou à abolição da escravidão nos Estados Unidos dividido pela Guerra de Secessão: “Foi um sucesso muito grande, todo mundo me chamava de Tia Cloé”.


Dupla com Grande Otelo


Com Grande Otelo, fez uma dupla inesquecível em Sinhá Moça (1986), de Benedito Ruy Barbosa. “Do meio para o fim, eu e o Otelo tomamos conta da novela, porque os personagens eram muito divertidos. Eram dois maluquinhos, escravinhos malucos”, conta. A atriz já havia atuado em uma adaptação de Sinhá Moça para o cinema, em 1953, e por isso conhecia bem o texto. Mas, na novela, cabia o improviso. Apesar de dizer que improvisar não é o seu forte, Ruth de Souza lembra que acompanhava o ritmo de Grande Otelo, na sua opinião, “um ator completo, um gênio.”

Em Mandala (1987), de Dias Gomes, voltou a atuar com o ator, formando com ele, Milton Gonçalves e Aída Lerner a primeira família negra de classe média da TV brasileira. Também teve papéis de destaque em O Bem-Amado (1973). Ruth de Souza destaca que sempre teve facilidade para trabalhar com Dias Gomes e Janete Clair. “Eu tenho um grande respeito pelo escritor. Escrever não deve ser fácil. Eu não mudo nada, nem em teatro. Nunca foram difíceis os textos de Dias e de Janete, porque fluíam muito bem.”  

Outros trabalhos de destaque em sua carreira na emissora foram O Clone, de Gloria Perez; Memorial de Maria Moura (1994), adaptação do romance homônimo de Rachel de Queiroz, escrita por Jorge Furtado e Carlos Gerbase;  Amazônia – De Galvez a Chico Mendes (2007), de Gloria Perez e no seriado Na Forma da Lei, como a Velha Oxalá (2010).

Sua trajetória foi marcada por papeis em novelas de época – gênero da teledramaturgia que acha muito interessante. “Eu adoro fazer novela de época.  Exige uma postura diferente, um andar, roupa. Não sou saudosa de passado; é que era realmente muito mais elegante, o espetáculo era mais bonito.”

Cinema
A atriz estreou no cinema por indicação do escritor Jorge Amado em Terra Violenta (1948), adaptação de seu romance Terras do Sem Fim dirigida por Tom Payne. No mesmo ano, atuou ao lado de Oscarito em Falta Alguém no Manicômio.

Fez mais de 30 filmes, incluindo Sinhá Moça, também de Payne, que a levou a concorrer ao prêmio de Melhor Atriz do Festival de Veneza de 1954 – e que considera o seu “cartão de visita”, porque “no cinema, se é uma boa história, fica para a vida toda”. A atriz esteve também no clássico O Assalto ao Trem Pagador (1962), de Roberto Farias; e As Filhas do Vento, de Joel Zito Araujo, com o qual foi premiada no Festival de Gramado de 2004.

Sua admiração pelo cinema vem também do fato de conceder mais espaço, em sua opinião, para atores negros. Para Ruth de Souza, o preconceito sempre foi uma realidade com a qual precisou lidar. “O cinema sempre deu mais oportunidade para o negro, desde o Grande Otelo. Eu tive sorte na continuidade de trabalho, tanto no teatro quanto na televisão: não parei nunca nesses 50 anos. Sempre tive trabalho, mas são poucos os negros que têm. Isso foi benção de Deus.” 

Fonte: Memória Globo

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