quinta-feira, 18 de julho de 2019

Mandela e o Marxismo

Rolihlahla Mandela vestido com os trajes tradicionais de seu povo.


Em 23 de outubro de 1967, no auge da Guerra Fria e do Apartheid, Nelson Rolihlahla Mandela, que já estava preso desde 1962 por várias acusações, como ter deixado a África do Sul sem passaporte, incitação a greve e sabotagem, escreveu uma carta ao Departamento de Justiça do país para contestar mais uma acusação: a de que seria membro do Partido Comunista da África do Sul, contrariando a Lei de Supressão do Comunismo, que criminalizava qualquer referência a esta ideologia no país, mesmo que esse conceito fosse utilizado de maneira vaga e generalista (da mesma forma como a expressão continua sendo usada até hoje). Os trechos transcritos desta carta servem para atestar que o CNA (Congresso Nacional Africano, partido de Mandela) não era uma organização comunista, e que a lógica africana sempre foi diferente da noção branca ocidental de "direita" e "esquerda":

Li e continuo lendo a literatura marxista e me comove a ideia de uma sociedade sem classes. Estou firmemente convencido de que só o socialismo pode eliminar a pobreza, a doença e o analfabetismo que predominam no seio do meu povo, e de que o máximo desenvolvimento industrial é resultado de planejamento central e da nacionalização das indústrias-chave do país. Mas eu não sou marxista. No que diz respeito à África do Sul, acredito que a tarefa mais imediata com que se defrontam hoje as pessoas oprimidas não é a introdução de um governo dos trabalhadores e a construção de uma sociedade comunista. A principal tarefa diante de nós é a derrubada da supremacia branca em todas as suas ramificações e o estabelecimento de um governo democrático no qual todos os sul-africanos, independentemente de sua situação social, de sua cor ou de suas convicções políticas, vivam lado a lado em perfeita harmonia.

Um exame da minha trajetória política demonstra que nunca fui membro nem apoiador ativo do Partido Comunista da África do Sul nem de seu sucessor, o Partido Comunista Sul-Africano. Ao contrário, tal trajetória mostra que eu sou um nacionalista.

Uma ambição sempre dominou meu pensamento, minhas convicções políticas e minhas ações políticas.Trata-se da ideia de explodir o mito da supremacia branca e de reconquistar o nosso país. O único organismo que tem capacitado nosso povo para avançar em nossa luta pela liberdade e que nos conduzirá à nossa meta final no futuro é, e sempre foi, o Congresso Nacional Africano com sua doutrina dinâmica de nacionalismo africano. Se, ocasionalmente, eu atuei em outros organismos, foi porque considerei que tais organismos e sua atuação ajudavam a acelerar a libertação do povo africano.

Fonte: Cartas da Prisão de Nelson Mandela, p. 60-68



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