sexta-feira, 12 de julho de 2019

Racismo no futebol: um reflexo da sociedade, não um mundo à parte

Declaração de Aliou Cissé durante a Copa do Mundo da Rússia, em 2018.

Há racismo no futebol porque há racismo em todos os outros espaços.  Devemos levar este fato em consideração quando buscarmos entender o que leva à incidência de tantos casos no esporte mais popular do Brasil e um dos mais vistos do mundo. Isto ficou ainda mais evidente após Roger Machado assumir o Bahia e se manifestar frequentemente sobre a quase inexistência de técnicos e dirigentes Negros nos grandes clubes do Brasil (Roger é o único técnico Negro entre os 20 clubes da primeira divisão do Campeonato Brasileiro), levantando um debate que os analistas dos canais de esportes, quase sempre brancos, se esquivam na maior parte do tempo. A vez mais recente em que isso se tornou uma questão debatida pelos comentaristas foi na Copa do Mundo da Rússia, em 2018, onde Aliou Cissé, técnico de Senegal, foi o único Negro do torneio.

O escritor estadunidense William Edward DuBois, no livro As Almas da Gente Negra, escrito no começo do século passado, criou uma metáfora que simboliza perfeitamente o racismo institucional. Ele dizia que existe um “véu” sobre as pessoas Negras, que impede sua projeção aos postos de destaque em qualquer área. Era como se a cor da pele chegasse antes de nossas qualidades e este véu cobrisse quem realmente somos.

Para além desta faceta do racismo, existe outra muito mais explícita: a dos cânticos entoados nos estádios pelo mundo afora. Os campeonatos europeus, por possuírem investimentos suficientes para contratar os melhores jogadores do planeta, são palcos das maiores barbaridades contra jogadores Negros, sejam eles nativos, naturalizados ou estrangeiros. Mario Balotelli, Yayá Touré, Romelu Lukaku e até brasileiros como Neymar e Daniel Alves, que nem são tão vistos como Negros aqui no Brasil, já foram alvos de manifestações racistas vindas das arquibancadas.

O goleiro Aranha foi alvo de insultos racistas por parte da torcida do Grêmio, na Copa do Brasil de 2014.

Aqui na América Latina, os casos de racismo são desagradavelmente comuns nos jogos da Taça Libertadores da América e da Copa Sulamericana, principalmente quando envolvem times argentinos ou uruguaios contra brasileiros, equatorianos e colombianos, países de maioria Negra. O Brasil não fica de fora dessa lista. Muitos casos são flagrados pelas câmeras ou até mesmo denunciados, mas com pouco efeito prático. O episódio de maior repercussão no país recentemente foi o sofrido pelo goleiro Aranha, então atleta do Santos e alvo de ofensas racistas por parte da torcida do Grêmio, no jogo de ida das oitavas de final da Copa do Brasil de 2014. Como uma consequência rara no país, o clube gaúcho acabou excluído da competição, embora já tivesse perdido o jogo no campo por 2x0.

O caminho para começar a resolver o problema do racismo nos estádios passa, de fato, pela punição exemplar aos indivíduos, se forem identificados, ou até mesmo aos clubes, quando as manifestações forem intensas, pois as diversas campanhas promovidas pela FIFA e pelas demais confederações não têm adiantado nada. O racismo deve ser encarado pelas autoridades como o ato de violência que ele realmente é, um crime tão grave quanto as brigas ou o arremesso de objetos no campo. Crimes não são solucionados com notas de repúdio, nem com hashtags nas redes sociais. São resolvidos com ações efetivas.

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