quarta-feira, 11 de março de 2020

Quando Angela Davis encontrou Malcolm X


Segue um trecho da autobiografia de Angela Davis, quando ela descreve a palestra que Malcolm X fez na Brandeis University, em Walthan, Massachusetts, em 1962:

Era um ano tranquilo e desanimado no campus - até que a complacente sensação de conforto que reinava nessa faculdade branca liberal foi bruscamente abalada pela presença de Malcolm X. No maior auditório do campus, Gwen, Woody e eu nos sentamos um pouco antes das fileiras do meio, tendo a impressão de que a multidão branca que esperava, ofegante, para ouvir este homem que era o porta-voz do profeta Elijah Muhammad nos engolia. Elijah Muhammad se autodenominava o mensageiro do Deus islâmico, escolhido para revelar a mensagem de Alá ao povo negro dos Estados Unidos.

Malcolm X começou seu discurso  com uma eloquência discreta, falando sobre a religião do Islã e sua importância para a população negra dos Estados Unidos. Fiquei fascinada com sua descrição do modo como o povo negro tinha internalizado a inferioridade racial imposta a nós por uma sociedade supremacista branca. Hipnotizada por suas palavras, fiquei chocada ao ouvi-lo dizer diretamente ao seu público: "Eu estou falando sobre vocês! Vocês!! Vocês e seus antepassados, por séculos, têm estuprado e assassinado meu povo!" .

Ele estava se dirigindo a uma multidão totalmente branca, e me perguntei se a partir daquele momento, Gwen, Woody e as outras quatro ou cinco pessoas negras na plateia se sentiram tão escandalosamente deslocadas como eu me senti.
Malcolm falava às pessoas brancas, criticando-as e informando-as sobre seus pecados, alertando-as sobre o armagedom que estava por vir, no qual seriam todas destruídas. Embora eu tenha experimentado um tipo de satisfação mórbida ao ouvi-lo reduzir as pessoas brancas a praticamente nada, sem ser muçulmana, era impossível, para mim, me identificar com sua perspectiva religiosa.

Fiquei pensando que deveria ser uma experiência extraordinária ouvi-lo falar para um público negro. Para as pessoas brancas, ouvir Malcolm tinha sido desnorteante e perturbador. Foi interessante que a maioria delas estava tão empenhada em se defender e se diferenciar de senhores de escravos e segregacionistas do Sul que nunca lhes ocorreu que elas mesmas poderiam começar a fazer algo de concreto para combater o racismo.

Referência: Angela Davis - Uma Autobiografia, Editora Boitempo, p. 132-133.

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