sábado, 2 de setembro de 2017

A luta de três irmãs que tentam manter vivo idioma que só elas sabem falar

Katrina Esau conseguiu criar forma escrita do N|uu para poder ensiná-lo aos mais jovens

Katrina Esau luta para salvar a vida de sua língua materna.
A idosa sul-africana, de 84 anos, é apenas uma de três pessoas no mundo capazes de falar fluentemente o N|uu, uma das línguas faladas pela comunidade San, também conhecida como Bushmen. Todas as pessoas pertencem à mesma família.
O N|uu é considerado a língua original do sul da África, mas está em uma lista da ONU de idiomas considerados "sob risco de extinção".

"Quando era pequena, só falava N|uu e ouvia um monte de gente falando-a também. Mas agora isso mudou", diz Esau, que vive na cidade de Upington, na província sul-africana de Northern Cape.
Por séculos, os San circularam livremente pela região vivendo da caça e da coleta de vegetais. Hoje, porém, as práticas desapareceram. Seus descendentes dizem que a língua é uma das últimas ligações entre eles e a história de seu povo.
Em uma pequena casa de madeira, Esau dá aulas de N|uu. Ensina para crianças da comunidade os 112 sons da língua, incluindo os 45 "estalos" (cliques).
"Não quero que o idioma desapareça quando eu morrer", diz a idosa, que começou a dar aulas de N|uu há 10 anos.
"Quero passar o máximo que puder, mas tenho plena noção de que não há muito tempo".
As irmãs Hanna Koper, Katrina Esau e Griet Seekoei são as últimas falantes no mundo de N||uu.
Em Upington, as pessoas hoje em dia falam principalmente o afrikaans, o idioma que evoluiu do holandês levado à África do Sul pelos colonizadores do país europeu, no século 17.
"O homem branco nos batia se nos visse falando nossa língua. Abandonamos o N|uu e aprendemos a falar afrikaans, embora não sejamos brancos. Isso afetou nossa identidade", diz Esau.
As outras únicas pessoas que falam o idioma são as irmãs de Esau, Hanna Koper e Griet Seekoei, ambas com mais de 90 anos.
Assim como muitas línguas africanas, o N|uu foi transmitido de forma oral, mas essa tradição ameaça sua sobrevivência.
Até bem recentemente, não havia forma escrita da língua.
Criançcas de Upington falam principalmente o idioma de origem europeia afrikaans, mas Esau espera mudar isso.

Isso fez com que Esau precisasse da ajuda de linguistas. Sheena Shah, da Escola de Estudos Orientais e Africanos (Soas), em Londres, e Matthias Brezinger, do Centro para a Diversidade Linguística Africana, em Cidade do Cabo (África do Sul), a ajudaram a criar um alfabeto e regras básicas de gramática para fins didáticos.
"Essas comunidades veem a língua como uma importante marca de sua identidade", diz Shah.
"Quando analisamos línguas africanas, aprendemos que elas comunicam diferentes perspectivas de vida, relacionamentos, espiritualidade e humanidade", acrescenta Brezinger.
"Há uma riqueza de conhecimento passado de geração para geração em comunidades indígenas e sobre a qual o Ocidente sabe muito pouco. Quando essas línguas morrem, esse conhecimento único se perde".

Desaparecimento

O N|uu não é a única língua sob o risco de desparecer na África do Sul. Na cidade de Springbok, também na província de Northern Cape, falantes do Nama fazem lobby junto ao governo para que a língua ganhe status oficial no país.
Dança tradicional em Springbok
Image captionFalantes do Nama querem que a língua se torne o 12o idioma oficial da África do Sul
Apesar de amplamente falado na África do Sul ao longo da história, o Nama não é reconhecido como uma das 11 línguas oficiais da chamada "Nação do Arco-Íris".
"É muito triste que nossas crianças não possam aprender Nama e que jamais poderão se comunicar com os mais velhos em sua própria língua", diz Maria Damara, de 95 anos, uma das poucas pessoas que falam Nama na cidade.
"Qual será o futuro de nossa cultura?"

As línguas mais faladas da África do Sul (em percentual da população)
  • Zulu: 22.7%, Xhosa: 16%, Afrikaans: 13.5%, Inglês, 9.6%, Setswana, 8%, Sesotho: 7.6%
  • O país tem ONZE línguas oficiais.
  • O inglês é a linguagem comum mais falada e é usada oficialmente e nos negócios
Fonte: SA.info/Censo de 2011

O líder comunitário Wiela Beker, de 56 anos, concorda:
"Se você não tem uma língua, você não tem coisa alguma. Estou conversando em inglês com você, mas não sou inglês. Quero falar Nama porque isso é o que sou."
"A não ser que façamos alguma coisa, nossa cultura vai morrer. Lutamos por nossa cultura quando lutamos por nossa língua", diz ele.
Beker diz que, sem a ajuda do governo, não vai demorar muito para que o Nama se encontre na mesma situação do N|uu - à beira da extinção.
Fonte: BBC Brasil

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