terça-feira, 24 de janeiro de 2017

O "Cidadão de Bem"


Eu costumo dizer que as pessoas só mostram quem realmente são na hora da raiva, que é quando falam sem o filtro das conveniências sociais. Vivemos tempos perigosamente complicados, exacerbados pela polarização política decorrente das últimas eleições presidenciais e dos seus desdobramentos no país, com a interrupção abrupta do mandato de Dilma Rousseff, mas nem pretendo entrar no mérito de se foi "golpe" ou "impeachment". Meu objetivo aqui é outro.

As divergências político-ideológicas entre "esquerda" e "direita" no Brasil são só um pano de fundo para um problema bem maior. No afã de atacar o grupo ideológico oposto ou defender o seu próprio, as pessoas estão ultrapassando todos os limites, esquecendo a empatia, a solidariedade, o respeito ao ser humano e a manutenção de direitos básicos históricos. Chegam ao absurdo de dizer que os direitos humanos são "coisa da esquerda".

Hoje, Marisa Letícia, esposa do ex-presidente Lula, e que nunca ocupou nenhum cargo público, foi internada em estado grave, vítima de um acidente vascular cerebral (AVC). Nas reações das páginas dos principais jornais no Facebook, muitos "cidadãos de bem" colocaram símbolos de gargalhadas e corações (o "Amei"). O "cidadão de bem" não viu uma mulher nas notícias, mas, tal qual um touro das arenas espanholas, só enxergou uma bandeira vermelha, transferindo pra ela todas as suas frustrações partidárias. As reações às recentes rebeliões nos presídios também costumam ser as mesmas.

Cada vez mais, confunde-se justiça com vingança. Vejo o típico "cidadão de bem" repetir o mantra de que "bandido bom é bandido morto" (bem, sabemos de que "bandido" ele está falando...), aplaudir chacinas e defender (ou participar de) linchamentos nas redes sociais. Vejo esse mesmo cidadão responsabilizar as mulheres vítimas de algum tipo de violência sexual, julgando suas roupas ou seus hábitos. O "cidadão de bem" não se importa com os episódios de racismo que aparecem na mídia e regozija-se ao ver casos explícitos de homofobia, citando sua bíblia pra dizer que "homossexualidade é abominação" nos cultos ou missas que sempre frequenta e, por isso, costuma ver uma justificativa para as agressões e assassinatos que as pessoas LGBT sofrem, apesar de nem sempre concordarem publicamente.

O "cidadão de bem" não acredita em ressocialização nenhuma e acha, erroneamente, que desejar um tratamento adequado nos presídios significa "defender vagabundo". Não é nada disso! Quem comete crimes deve pagar, pelo período descrito no Código Penal, respeitando a Constituição e os Direitos Humanos, para que possa se regenerar, salvo em algumas exceções. Para muitas pessoas, o ideal seria trancar todos, sem distinção entre penas leves ou pesadas, e jogar a chave fora, esquecendo que, um dia, os presos vão voltar pra sociedade. 

Pode parecer duro, mas é preciso dizer: quando você defende a agressão ou morte de pessoas, quando apoia qualquer tipo de discriminação, supostamente amparada pela sua religião ou se sente feliz pela doença de alguém, só porque as opiniões desta pessoa são diferentes da sua, fica impossível separar o "cidadão de bem" do "criminoso" que tanto ataca.

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