quinta-feira, 18 de junho de 2015

O silêncio que incomoda


Repercutiu muito nas últimas semanas a foto da performance de uma transexual durante a Parada LGBT de São Paulo. Na imagem, ela aparecia crucificada, tal qual Jesus Cristo, simbolizando toda a violência gratuita e o ódio dos "detentores da fé" que, desde aquela época, condenavam à morte qualquer ato considerado um "desvio de caráter" ou uma deturpação da religião tida como "verdadeira".

O problema é que muitas pessoas não entenderam a intervenção artística (ou não se esforçaram para tal) e a foto gerou um tsunami de indignação entre os cristãos, principalmente dos evangélicos, o que não deixa de ser paradoxal, já que a maioria deste segmento religioso é avessa à veneração de imagens sacras.

Ironicamente, não se ouve o mesmo barulho das pessoas que - legitimamente - defendiam o respeito à sua religiosidade, no caso da menina carioca de 11 anos, candomblecista, que foi covardemente agredida a pedradas, pelo simples fato de estar vestida de branco e com trajes litúrgicos de sua religião. Segundo testemunhas, o ataque teria partido de evangélicos, o que não seria a primeira vez. Casos como esse se repetem dia após dia, e não há nenhuma "revolta" ou histeria coletiva pelo respeito às religiões de matrizes africanas. Inclusive, a própria garota, ainda abalada pelos acontecimentos, foi hostilizada novamente enquanto saía da perícia aos gritos de "demônia" e "vai queimar no inferno".

O que passa pela cabeça de alguém que acha que tentar destruir a religião alheia, incluindo nesta empreitada, machucar ou matar seus adeptos, o tornará uma pessoa melhor?
Quando os fundamentalistas cristãos vão deixar de ver outras denominações religiosas como "concorrência"?

Por que tudo que é diferente do que a moral seletiva do Cristianismo prega é visto como algo "diabólico"?

Vivemos em um momento perigoso no Brasil. Desde a Câmara dos Deputados, onde o presidente passou a realizar cultos evangélicos e vários dessa bancada se dedicam diariamente a legislar contra tudo que vá de encontro ao seu livro sagrado, até as simples atividades cotidianas, em que é difícil terminar o dia sem ouvir uma pregação de alguém na rua, no ônibus, no metrô ou até na porta de sua casa, dizendo que você deve viver da maneira que a religião dele obriga.

Tenho a grande impressão de que Jesus, revolucionário como era, seria apedrejado e crucificado novamente, se tentasse defender suas ideias no Brasil do século XXI.

Katia Marinho abraça a neta, que não quer mais usar roupas brancas fora do barracão Foto: Guilherme Pinto / Extra


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