Partido reúne membros do candomblé no Bogum, um dos mais antigos terreiros do Brasil |
Como experiência inédita, o povo de santo brasileiro está articulando a oficialização de um partido político próprio. A primeira vitória foi o direito, assegurado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de fundar diretórios. Eles estão presentes em cidades de 24 dos 27 estados do País.
Faltam representações apenas no Acre, Mato Grosso e Roraima do Partido Popular da Liberdade de Expressão (PPLE) que, na verdade, é pronunciado com base na fonética mais usada no Nordeste: "pe-pe-lê" e não como se recita as siglas tradicionais, o que daria "pe-pe-ele-é".
A pronúncia é importante pois ela soa como pepelê, palavra em iroubá usada para designar a base de sustentação do otá, que é o altar sagrado no candomblé.
"O povo negro é maioria nesse país, mas a minoria no poder", diz Marcelo Monteiro, presidente da executiva nacional do partido.
Monteiro é ogã do Idassilé Odé, situado no Rio de Janeiro. Ogã é o título usado pelo sacerdote que não entra em transe nos terreiros de nação ketu, que são aqueles que cultuam orixás e tem o iorubá como língua litúrgica.
Ele também é babalaô, título para o sacerdócio no culto a Ifá, divindade que comanda os oráculos.
Monteiro é candidato a deputado federal pelo Partido Verde (PV), pois os diretórios decidiram que antes da oficialização - é necessário reunir 500 mil assinaturas- cada membro do Pepelê poderia se vincular a outros partidos, mas apenas de forma individual, pois a ideia é seguir um caminho próprio.
"Há algum tempo começamos a compreender que os partidos existentes não contemplam todas as nossas demandas. Por isso chegou a nossa hora", afirma Edvaldo Matos, presidente da executiva do partido em Salvador.
Edvaldo é tata do Unzó Gangafunã Sussanã. Tata é o termo equivalente a ogã, usado na nação angola, que cultua os inquices e tem o grupo banto como idioma litúrgico.
Mobilização
A expectativa é que a instalação da executiva estadual aconteça em novembro. "Se apresentarmos um projeto forte e sincero vamos dialogar com várias instituições e movimentos também de outros grupos que sofrem discriminação como indígenas e ciganos", afirma Edmilson Sales, secretário da executiva municipal e ogã suspenso (fase antes da iniciação religiosa) do terreiro Bogum, um dos mais antigos do Brasil.
A executiva em Salvador foi instalada em maio desse ano. De lá para cá, a executiva faz reuniões para novos militantes na capital, no interior do estado e, principalmente, em terreiros.
Na tarde da última quarta-feira, por exemplo, a ialorixá do Ilê Tomim Kiosisé Ayo, Iara de Oxum, foi a anfitriã de um dos encontros. O terreiro fica em Cajazeiras XI.
"Senti segurança, pois foi um movimento vindo do Siobá, que é uma associação dos ogãs e tatas. O Pepelê é uma coisa séria, vinculado à nossa religião e à preservação dos nossos direitos que vivem ameaçados", avalia.
Opinião parecida tem o babalorixá Adriano Ominirê, que lidera o Ilê Axé Ibá Oju Omi em Cajazeiras IV. "O Pepelê vai trazer segurança para nós. Precisamos da força de um partido, pois somos desrespeitados quando somos agredidos por nossa crença", afirma. O babalorixá já abraçou a missão de criar o diretório do partido em Simões Filho, na Região Metropolitana de Salvador (RMS).
O doutor em antropologia e professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Jocélio Teles aponta a iniciativa como pioneira. Experiências semelhantes, segundo ele, foram baseadas apenas na questão étnica como o Partido Independiente de Color (PIC), criado em Cuba, no início do século XX, e a Frente Negra Brasileira, liderada por Abdias do Nascimento e atuante, principalmente, nos anos 30.
As duas iniciativas foram perseguidas e declaradas ilegais. "Esse movimento atual me parece ter surgido porque os partidos políticos já não respondem totalmente a uma parte das demandas do povo de santo", aponta Teles.
Autor do livro O poder da cultura e a cultura no poder, um estudo sobre a disputa simbólica da cultura afro-brasileira tanto pelo estado como por movimentos civis, Teles destaca que essa movimentação é também reflexo do crescimento da representação evangélica em câmaras municipais e parlamentos.
O candomblé e a umbanda, desde a década de 90, sofrem ataques de correntes evangélicas em púlpitos, mas principalmente nas rádios e TVs pertencentes às igrejas e que são concessões públicas.
Portanto, vagas em espaços de poder valem muito. "Queremos manter os direitos que querem nos tirar", diz o babalorixá Ominirê.
Fonte: Portal A Tarde
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